1. Nos primeiros dias de Agosto de 1914, as potências europeias envolveram-se num conflito militar de enormes dimensões, conhecido depois como Grande Guerra. Logo no início das hostilidades, o Governo inglês solicitou ao Governo português que se abstivesse «por agora de publicar qualquer declaração de neutralidade», tornando-se esta a posição oficial de Portugal — nem neutral, nem beligerante. Esta situação manter-se-ia até 9 de Março de 1916, dia em que, a seguir ao apresamento dos navios alemães surtos nos portos portugueses feito a pedido da Inglaterra, a Alemanha declarou guerra a Portugal.
Foram dois anos de profundas disputas internas e extensos conflitos que envolveram não só as forças políticas, como toda a sociedade, e que ultrapassarão a própria declaração de guerra, mantendo-se até à assinatura do armistício, e mesmo para além dele.
Os republicanos dividiram-se quanto à intervenção militar de Portugal na Europa, sustentando uns a necessidade política e moral de intervir ao lado dos aliados e defendendo outros a utilização exclusiva das tropas portuguesas na defesa das colónias. As pequenas minorias radicais opuseram-se, de uma forma geral, à participação na guerra, assumindo as suas atitudes enorme agressividade, com apreciável influência na opinião pública nacional.
No interior da força armada, a maioria dos oficiais opunha-se à guerra, principalmente ao envio de tropas para o teatro europeu.

2. O governo português, chefiado por Bernardino Machado, apresentou, logo em 7 de Agosto, uma declaração ao Parlamento, reflectindo a contradição a que Portugal se via sujeito, nem podendo declarar a beligerância, nem a neutralidade.
Contudo, desde muito cedo, Portugal enfrentou dificuldades em Angola e Moçambique, territórios que tinham fronteiras com colónias alemãs. A situação levou o governo português a preparar expedições militares para as duas colónias, que saíram de Lisboa a 11 de Setembro, comandadas por Alves Roçadas a de Angola e por Massano de Amorim a de Moçambique.
O primeiro incidente de guerra ocorreu em Moçambique, quando a pequena guarnição portuguesa de Maziúa foi atacada por uma força alemã.
Em Angola, o primeiro incidente ocorreu a 19 de Outubro, com o ataque alemão a Naulila, seguido pela acção contra Cuangar a 30 do mesmo mês. Reforçada esta primeira expedição, e repetida uma acção inimiga sobre Naulila em 18 de Dezembro, a circunstância da rendição das tropas alemãs perante o avanço das tropas sul-africanas levou ao fim do conflito do exército português em Angola, embora persistisse a revolta dos povos locais.
Em Moçambique, a situação evoluiu de forma diferente. Ainda em 1914 foi organizada uma nova expedição, acompanhada desta vez pelo novo governador-geral da colónia, Álvaro de Castro. Verificou-se, contudo, que as tropas expedicionárias portuguesas, tal como acontecera na anterior expedição, enfermavam de graves deficiências: má instrução, deficiente equipamento e fraca acção de comando, situação que se manteria até ao fim.

3. Em relação ao teatro europeu, a acção do governo português visou sobretudo a preparação da intervenção portuguesa, tanto no sentido de definir as formas de apoio aliado, em especial da Inglaterra, como de preparar os contingentes militares e mobilizar a opinião pública. Na sequência de uma primeira experiência efectuada em 1914, com a concentração de uma Divisão Auxiliar em Tancos, que depois foi desmobilizada, procedeu-se à formação de uma Divisão de Instrução que se reuniu no mesmo campo militar, sob o comando do general Tamagnini de Abreu e Silva e impulsionada por um grupo de jovens oficiais colaboradores de Norton de Matos, entretanto nomeado ministro da Guerra.

4. E enquanto se ultimavam os preparativos para a partida das tropas em direcção ao teatro europeu, foi necessário o envio de um novo contingente com destino a Moçambique, a mais forte de todas as expedições, com cerca de 4000 homens sob o comando do general Ferreira Gil. Nesta colónia, onde logo a seguir à declaração de guerra as tropas portuguesas reocuparam o triângulo de Quionga, abandonado pelas tropas alemãs, esta terceira expedição levou a cabo as operações de maior fôlego, assinaladas pela travessia do Rovuma e por uma penetração em território alemão com a tomada de Nevala. Contudo, a situação criada com o avanço das tropas portuguesas não resistiria à contra-ofensiva alemã, sob o comando do general Von Lettow-Vorbeck.
Foi perante esta situação que em princípios de 1917 se organizou uma quarta expedição a Moçambique, sob o comando do coronel Sousa Rosa. Entretanto, a acção das tropas alemãs no interior de Moçambique vai prolongar-se até Setembro de 1918, tendo a sua penetração ficado às portas de Quelimane.
As tropas portuguesas, em cooperação com forças inglesas, opuseram-se aos movimentos inimigos tanto quanto lhes foi possível, travando alguns combates de maior relevância, como o de Negomano, da Serra Mecula e de Nhamacurra. Von Lettow, conduzindo a guerra conforme as circunstâncias melhor aconselhavam, com o fim, que foi sempre o seu, de fixar efectivos inimigos na região, acabou por abandonar Moçambique, ficando assim o território português livre da presença de tropas inimigas.

5. Continuavam, ao mesmo tempo, os preparativos para a partida das tropas portuguesas para a frente europeia, transformando-se a Divisão de Instrução em Corpo Expedicionário Português (C.E.P.), que, composto inicialmente por uma Divisão e passando depois, por insistência portuguesa e aceitação inglesa, a ser constituído por duas Divisões, se organizou num Corpo de Exército. Os ingleses, em cujo Exército o C.E.P. se iria integrar, destinaram-lhe, na longa frente aliada, um sector calmo na Flandres, entre o canal de La Bassée e o Rio Lys. O embarque das tropas fez-se a partir do início de 1917, estando a primeira fase terminada nos fins de Julho, com a presença de mais de 50.000 militares portugueses na frente europeia.
A 5 de Novembro de 1917, foi entregue ao comandante do C.E.P. a responsabilidade operacional do sector português na frente de combate.
Entretanto, a situação interna agravou-se com o problema das subsistências, directamente relacionado com as dificuldades que a guerra levantou. Ele serviu de razão imediata para os distúrbios sociais, o mal-estar do povo (especialmente ao nível urbano) e a acção dos inimigos do Governo, da situação e do regime.
A oposição à guerra não conheceu tréguas. As dificuldades económicas agravaram-se, a escassez de subsistências continuou, tudo se conjugando para criar um clima social propício ao desenvolvimento de projectos conspirativos e violentos.

6. Foi neste ambiente que, em 5 de Dezembro, uma revolta militar saiu a rua, chefiada por Sidónio Pais, major de Artilharia e ministro de Portugal em Berlim até à declaração de guerra da Alemanha. Em menos de três dias, os revoltosos conquistaram o poder e assumiram a direcção política do País.
A nova situação, a que os seus dirigentes chamaram República Nova, não chegou a pôr em causa a continuação do empenhamento militar ao lado dos aliados, tanto na Europa como em Moçambique, mas é sintomático da nova disposição dos dirigentes portugueses o facto de se não terem efectuado as rendições de efectivos normais e de um número significativo de mobilizados, temporariamente regressados a Portugal para tratamento ou de licença, não regressar à frente, apesar dos contínuos apelos dos comandos militares do C.E.P.

7. Pouco depois da entrada em primeira linha, as tropas portuguesas apresentavam evidentes sinais de desgaste. Sem reforços idos de Portugal e sem repouso, a capacidade das tropas degradou-se aceleradamente, assim como o moral e a disciplina. Em Março de 1918 as tropas portuguesas estavam exaustas, o que teria levado o comando inglês a proceder à sua rendição por tropas britânicas. Mas um tanto estranhamente a ordem de rendição foi dada a 8 de Abril, para se executar a 9. Só que exactamente neste dia se iniciava uma vasta ofensiva alemã que abrangia a zona do C.E.P. e que viria a concretizar-se através de uma longa preparação de artilharia seguida pelo ataque de oito divisões em primeira linha.
Num único dia (9 de Abril) e numa única batalha (La Lys) o CEP foi completamente destroçado, apesar dos actos de valentia individuais e da resistência de algumas unidades. Um grande número de baixas e alguns milhares de prisioneiros foram o resultado mais dramático do 9 de Abril. No conjunto da frente houve um recuo das forças aliadas e uma ruptura da linha defensiva, que só no final do mês foi possível estabilizar.

8. Após o desastre de La Lys foi ainda possível, de certa forma contrariando os desejos ingleses que pretendiam disseminar o que restou de tropas portuguesas por unidades inglesas, evidentemente em tarefas de menor importância, constituir três batalhões que de novo foram integrados na frente, onde se mantiveram até à assinatura do Armistício a 11 de Novembro de 1918. Foi esta enérgica reacção dos comandos portugueses que contribuiu para que Portugal pudesse estar presente no desfile da Vitória em Paris e participar ao lado das outras potências aliadas na Conferência da Paz.

Aniceto Afonso